quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A vida nada doce, doce, doce de um tênis amarelo



A solidão de um consultório odontológico faz pensar sobre o porquê de ter escolhido o Jornalismo. Ultimamente ando apenas editando. Hoje bateu a vontade de escrever uma crônica. Com vocês:

"A vida nada doce, doce, doce de um tênis amarelo"

Quando eu digo que o universo do dentista é seu consultório e o consultório do jornalista é o universo, não estou brincando. Tarde chuvosa no Rio de Janeiro.Geralmente os pacientes faltam nesses dias. Pela janela da minha sala contemplo os pingos de chuva que começam fracos e lentamente vão apertando. Um mendigo, sim, também há no Leblon, dormia tranquilamente em um banco colocado na calçada em frente à clínica onde trabalho, quando a intempérie o acordou. Sobressaltado e desorientado, resolveu atravessar a Avenida Ataulfo de Paiva para buscar abrigo em uma marquise quando deparou-se com uma caçamba. Olhou-a, mediu-a e lá de dentro retirou dois pares de tênis: um vermelho e outro amarelo fosforescente. O primeiro parecia estar sem condições de uso, mas o amarelo era vistoso, reluzente! Depois de admirá-lo resolveu calçá-lo. Bateu forte no asfalto, pisou firme, virou de lado para olhar a sola e subitamente arrancou-o do pé atirando-o de volta à caçamba.

Pobre tênis amarelo. Desprezado pela segunda vez. Seu dono não o quis, jogou-o fora. E agora acabara de ser descartado por um mendigo. A vida desse tênis amarelo não foi nada doce. Quantas pisadas ele deve ter proporcionado ao seu dono e agora virou lixo. Mas não parou por aí.

Um carrinheiro, catador de papelão, parou perto da caçamba para ver se havia o valoroso produto que cata para vender. Deu de cara com quem: o famoso tênis amarelo. Pois bem...ele também não curtiu o calçado chamativo. Largou aquele sinalizador da Marinha de volta na caçamba e empirulitou-se.

Conclusão: ninguém quis o tênis amarelo. Nem pra servir de calço do carrinho, pé de mesa manca ou para esquentar os pés frios dos descamisados do Leblon. Será que até eles são chiques a ponto de se darem ao luxo de não usarem aquele lixo?

Convenhamos, a vida do tênis amarelo não foi doce, seu final foi melancólico. Afinal, o bichinho era feio de doer, como era.

Palavra de Aló